quarta-feira, 4 de novembro de 2009

A Mulher do Tenente Francês – John Fowles

Editora: Alfaguara
ISBN: 978-85-60281-37-4
Tradução: Adalgisa Campos da Silva
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 504
Sinopse: Publicado originalmente em 1969 e esgotado há quase 20 anos no Brasil, A Mulher do Tenente Francês é o romance clássico que deu origem ao filme homônimo estrelado por Meryl Streep em 1981. Neste que é seu livro mais importante, o autor britânico John Fowles conta uma história escandalosa para os padrões e regras rígidos da Inglaterra vitoriana do século XIX.
Sarah Woodruff é a mulher à qual o título se refere. Acostumada a vagar sem rumo pela costa de uma cidadezinha portuária, ela é considerada louca por alguns moradores do local. Já entre outros, ela é mal-falada, pois foi abandonada por um tenente francês que a desonrara, prometendo-lhe voltar. Sarah, em suas caminhadas, parece ainda ter esperança de que seu amado irá reaparecer.
Todo este mistério que envolve Sarah conquista Charles, um nobre vitoriano que, de passagem pela cidadezinha ao lado de sua noiva, encanta-se com a enigmática figura da mulher abandonada. A partir daí, surge uma trama intensa recheada de paixão, loucura e perda.
Porém, A Mulher do Tenente Francês talvez não tivesse tanto prestígio se, paralelamente a esta história, Fowles não houvesse estruturado sua forma de contá-la a partir de comentários sobre o comportamento dos personagens, intervenções críticas em meio ao enredo e de um leque de opções que levam o romance a diferentes destinos finais. Quebrando a estrutura narrativa clássica, ele consegue transformar o papel do narrador, que já não é mais uma voz neutra, mas também comanda sua história e faz parte dela

“A grande desgraça de nosso século, é, segundo se supõe, a falta de tempo; nossa noção desse fato, e não um amor desinteressado pela ciência ou pela sabedoria, é o que nos impele a dedicar uma enorme parcela de engenho e dos recursos de nossas sociedades para encontrar formas mais rápidas de fazer as coisas, como se o objetivo final do homem fosse se aproximar não da perfeição humana, mas sim da perfeição do relâmpago.”


“A solidão ou azeda as pessoas ou as ensina a ser independentes.”


“Mas embora possam ser mantidos longe da casa, os lobos continuam uivando lá fora na escuridão.”


“Em essência, o Renascimento, foi o final verde de um dos invernos mais rigorosos da civilização.”


“Não poderíamos esperar dele que percebesse o que nós – com muito mais conhecimentos à nossa disposição, além das lições dos filósofos existencialistas – só agora estamos começando a compreender, ou seja, que o desejo de possuir e o desejo de usufruir se destroem mutuamente.”


“Só há uma boa definição de Deus: a liberdade que permite a existência de outras liberdades.”


“Num estalo, num lampejo negro, compreendeu que a vida seguia em linhas paralelas – que a evolução não era vertical, subindo sempre até alcançar a perfeição, mas sim horizontal. O tempo era o maior engano, a existência não tinha história, era sempre agora, sempre esse ser apanhado pela mesma máquina perversa. Todos esses biombos pintados que o homem erguia para se isolar da realidade – a história, a religião, o dever, a posição social – eram meras ilusões, fantasias provocadas pelo ópio”.


“Apesar de Hegel, a época vitoriana não tinha inclinação para a dialética. Os vitorianos não costumavam refletir sobre pólos opostos, encarar os aspectos positivos e negativos como parte de um todo. Para eles, os paradoxos mais perturbavam do que distraíam. Não eram para os momentos existencialistas, mas sim para encadear causas e efeitos, para aceitar teorias explícitas, cuidadosamente estudadas e religiosamente aplicadas. Naturalmente, eles se empenhavam em construir, ao passo que nós andamos há tanto tempo empenhados em demolir que agora qualquer construção nos parece tão efêmera quanto uma bolha de sabão.”


“Obviamente, o que faz da classe média uma mistura singular de fermento e massa é sua atitude essencialmente esquizofrênica em relação à sociedade. Nossa tendência nos dias de hoje é esquecer que esta sempre foi a classe revolucionária por excelência. Vemos nela só o seu aspecto de massa, a burguesia como núcleo reacionário, o insulto universal, sua atitude sempre egoísta e conformista. Mas essa ambivalência decorre da única virtude que redime essa classe, isto é: ela é a única das três grandes castas sociais que habitualmente, e com sinceridade, despreza a si própria. E Ernestina não era exceção. Charles não era o único a perceber um desagradável azedume em sua voz, ela também percebia. Mas sua tragédia (e que continua onipresente) estava em que empregava mal esse precioso dom de autodesprezo, e se fazia assim uma vítima da eterna falta de fé em si mesma, inata em sua classe. Ao invés de encarar os erros de sua classe como uma razão para rejeitar o sistema de classes em sua totalidade, ela via neles um motivo para aspirar a uma classe mais alta.”


“Nosso mundo gasta boa parte do seu tempo incitando-nos a copular, enquanto nossa realidade passa esse tempo todo nos frustrando.”


Ora, e se eu sou uma prostituta, que direito tem a sociedade de me insultar? A sociedade me fez algum favor? Se sou um câncer medonho da sociedade, as causas da doença não devem ser procuradas na podridão de sua carcaça? Não sou filha legítima dessa sociedade e não sua bastarda, senhor?
De uma carta publicada no The Times
(24 de fevereiro de 1858)


“A cada minuto, o prego espera a martelada para ser fincado. Você sabe o que escolher. Ou ficar na prisão, o que a sua época chama de dever, honra, auto-respeito, e se sentir confortável e seguro. Ou ser livre e crucificado. Sua única companhia serão as pedras, os espinhos, o ostracismo, o silêncio das cidades e seu ódio.”


“– Talvez eu esteja ficando velho. Sei que essas quebras de promessa como a sua hoje são tão comuns que se escandalizar com elas é passar atestado de antiquado. Mas vou lhe dizer o que me incomoda. Como você, não gosto dos clichês, sejam religiosos ou jurídicos. A lei sempre me pareceu uma cretinice, e grande parte da religião é quase a mesma coisa. Não o ataco por esse lado, nem o atacarei por nenhum outro. Simplesmente lhe darei minha opinião. Que é a seguinte: você acha que pertence a um grupo de eleitos dotado de mentalidade racional e científica. Não, não, já sei que vai dizer que não é presunçoso a esse ponto. Pois bem. No entanto, você quer pertencer a esse grupo. Não o censuro. Também desejei isto a vida inteira. Mas peço que se lembre de uma coisa, Smithson; desde sempre, os eleitos apresentam argumentos justificando por que se julgam eleitos. Mas o Tempo só permite uma justificação. – O médico tornou a pôr os óculos e virou-se para Charles. – É esta: que os eleitos, sejam quais forem as justificativas que apresentarem, introduzam uma moral mais justa e mais nobre neste mundo sombrio. Se não passarem neste teste, tornam-se apenas déspotas, sultões, meros egoístas em busca de prazer e poder. Em suma, meras vítimas de seus desejos mais rasteiros. Acho que entende aonde quero chegar, e qual é a relevância que isso tem para você de hoje em diante, depois desse dia infeliz. Se se tornar um ser humano mais nobre e mais generoso, poderá ser perdoado. Mas se ficar mais egoísta... será duplamente condenado.”


“O mito de Fausto é arquetípico no homem civilizado; não importa que a civilização de Sam não tivesse sequer lhe ensinado quem era Fausto, mas ele era sofisticado o suficiente para ter ouvido falar em pactos com o diabo e seus desdobramentos. Durante um certo tempo, tudo era um mar de rosas; mas, um dia, o diabo vinha reclamar a sua parte. A sorte é um feitor implacável. Estimula a imaginação fazendo-a antever sua perda, relacionado-a intimamente, quase sempre, ao que ela trouxe de bom.”


“Por fim, ela o fitou. Tinha os olhos cheios de lágrimas, o olhar insuportavelmente desarmado. Todos nós recebemos e retribuímos olhares desse tipo uma ou duas vezes na vida; são olhares em que os mundos se fundem, os passados se dissolvem, momentos em que descobrimos, pressionados pela mais profunda necessidade, que a rocha sobre a qual se assentam as eras não pode ser outra coisa senão o amor, aqui, agora, na união daquelas mãos, naquele silêncio cego, em que uma cabeça vem se aninhar embaixo da outra.”

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