terça-feira, 6 de abril de 2010

Antologia do Folclore Brasileiro (volume 1) – Luís da Câmara Cascudo

Editora: Globo

ISBN: 978-85-2600-689-8

Opinião: ★★★☆☆

Páginas: 325

Sinopse: Esta antologia, em dois volumes, se parece com os primeiros passos dentro da floresta das lendas, mitos, superstições, cantigas brasileiras. No volume 1 estão reunidos conceitos e tendências ainda presentes no cotidiano do brasileiro, como as apresentações da Festa do Divino.


“No Brasil costumam dizer que para o escravo são necessários três P.P.P., a saber, pão, pau e pano.”

(Antonil – 1650-1716)

 

 

“Vi logo que o mito indígena era sempre contado sem esforço mental, sendo o seu fim simplesmente agradar, como uma balada, e não comunicar informação; e que quando o índio, não estando perto da fogueira, cercado de ouvintes noturnos, nem de posse de todas as circunstâncias que tornam a narração convincente e agradável, é friamente convidado a relatar uma história mitológica, mostra-se incapaz do esforço mental necessário para lembrar-se dela e, por isso, pronta e obstinadamente alega ignorância. Assim, o colecionador de mitos nada conseguirá se esperar tudo de uma simples pergunta. O único meio é procurar e criar ocasiões em que a narração seja espontânea, e quando necessário, tomar a iniciativa, repetindo algum episódio indígena com o qual estejam familiarizadas as pessoas presentes, tendo o cuidado de não demonstrar demasiada curiosidade pelas histórias que forem contadas.

Ce n’est que le premier pás qui coûte. Depois de obtido o primeiro mito, e de ter aprendido a repeti-lo com exatidão e espírito, o resto é fácil. Observarei aqui, de passagem, que se deve evitar no Amazonas, como em qualquer outra parte, entre selvagens ou povos de baixa cultura, de fazer sobre este assunto perguntas que insinuem as respostas, porque um índio inconscientemente concordará sempre com o interrogador, que pode deste modo ser enganado. Em uma ocasião, falando desta particularidade com o comandante do meu pequeno vapor, repentinamente voltou-se ele para o piloto, que era indígena e, apontando para uma palmeira à margem do rio, disse: - Aquela palmeira chama-se Urubu, não é? – Sim, senhor! – respondeu o índio gravemente, sem mover um músculo. A pergunta foi repetida com o mesmo resultado. O comandante perguntou em seguida: - Qual é o nome daquela palmeira? – Ele então respondeu: – Jauari!...”

(Charles Frederik Hartt – 1840-1878)

 

 

“O que principalmente distingue um povo bárbaro, é a crença de que a força física vale mais do que a força intelectual.

Napoleão I, por exemplo, nos refere que os árabes no Egito muito custaram a acreditar que fosse ele o chefe do exército, por ser um dos generais de mais mesquinha aparência física.

Ensinar a um povo bárbaro que não é a força física que predomina, e sim a força intelectual, equivale a infundir-lhe o desejo de cultivar e aumentar sua inteligência.”

(Couto de Magalhães – 1836-1898)

 

 

“As lendas entre todos os povos são a tradição viva do pensamento primitivo e do desenvolvimento intelectual das épocas de sua origem. Entre alguns constitui a base dos contos populares, com que se embala a infância, inoculando assim a superstição, que tarde ou nunca se apaga do espírito. (...) Quase sempre o mito origina a lenda, e em alguns povos esta caracteriza o seu desenvolvimento moral.

A superstição, companheira quase sempre inseparável da lenda, transforma esta, e em vez de deleitar o espírito, o acabrunha e o exalta.

As lendas, como as plantas transplantadas, também medram, e, conforme a civilização do povo, perdem-se, ou vigoram enfeitando-se com as cores locais.”

(Barbosa Rodrigues – 1842-1909)

 

 

“Entre nós o boto tem a propriedade de transformar-se.

É quase sempre um guapo mancebo. Ninguém maneja melhor o arpão do que ele; a sararaca que ele solta vai ao fundo do rio buscar o tracajá, e a flecha que prepara não precisa ser emplumada com as penas do urubutinga* para ir ferir o pássaro no seu rápido esvoaçar. É tão lindo, seus olhos têm tal poder, tão sedutores, e suas falas tão meigas, que as cunhantãs** lhe não resistem.

Quantas não foram surpreendidas por ele nas suas roças, e devem-lhe o primeiro filho?

Felizes aquelas que com ele não se encontram no banho, ou em viagem pelos igarapés!

Sobre as águas o encanto é maior, e o resultado é sempre serem levadas para o fundo das águas, onde o seu amor as chama. Então o resultado é sempre funesto.

Quantos D. Juans não têm passado por botos? Quantas grinaldas de virgem não têm sido desfolhadas nas areias das praias e quantos mamelucos não descendem por isso dos botos?

A civilização plantada pelos nossos civilizadores dos sertões, traz como germe a embriaguez e a desonra, e os frutos que dela resultam mais tarde são sempre a vergonha.

As máximas pregadas por esses apóstolos do mal, só visam dois fins: o gozo material, impuro e infame, e o do ouro, embora ganho com o suor do índio e com a morte moral de sua família.

Embriagar, corromper, seduzir e gozar o índio, não é crime... são filhos de uma raça condenada a ser escrava.

Vis, que não conhecem quanto é nobre, puro e inocente o coração do índio. A sua nobreza, a pureza de suas intenções, o seu desinteresse, tudo é especulado pelo engano, pela fraude e pelo vício.

O piráyauara*** às vezes é um regatão, que sabe aproveitar-se da crença indígena inoculada pelos primeiros civilizadores.

“Os portugueses quando vão para o sertão, deixam as almas penduradas para recebê-las quando voltam”. É um ditado antigo escrito pelo padre José Morais, e que ainda hoje se repete, não tendo sido desmentido. O procedimento deles para com os índios é mesmo de quem tem a alma pendurada.”

* Urubu branco, é o urubu-rei; é crença que a flecha empenada com as suas penas nunca erra o alvo.

** Donzelas de 15 a 20 anos.

*** Pirá, peixe, y, água, ara, senhor das águas, vulgarmente boto.

(Barbosa Rodrigues – 1842-1909)

 

 

“Há dias no ano em que o povo precisa fazer-se criança. Contrariar esta lei, é torná-lo triste, desgraçado.

Essa bem-aventurança popular, esse esquecimento momentâneo das lutas pela vida, só a religião largamente proporciona, visto como exclusivamente ela algema as dores que as sociedades desencadeiam nas contingências imediatas, nos acontecimentos decisivos.

A política, que, não sendo exercida por individualidades culminantes, é ofício de vadios, não absorve esse gigante de cem faces, que vive porque combate, que não morre porque é de uma complexidade que se regenera no tempo, no clima e na ação.”

(Melo Morais Filho – 1844-1919)

 

 

“Em 1821 em Sergipe o governador da capitania César Burlamaqui, recebendo uma intimação do governador da Bahia para aclamar ali a constituição, mandou convocar uma reunião do clero, nobreza e povo.

“A nobreza, diz uma testemunha verídica, era representada pela câmara e por todas as pessoas que haviam servido os cargos da governança das vilas e cidades como fossem juízes, vereadores, oficiais das ordenanças e de segunda linha, e o povo era representado pelos homens bons e abastados, que não pertenciam àquela hierarquia*.

Não tínhamos, nem temos, como se vê uma aristocracia histórica e de direitos adquiridos; mas ia ela sendo criada aos poucos e viciadamente.

O clero goza ainda de direitos privilegiados, e o povo propriamente dito, espécie de felás do Egito, é tratado como um animal de carga.”

* A. J. da Silva Travassos – Apontamentos, p.24

(Sílvio Romero – 1851-1914)

 

 

“As superstições, os costumes, os contos de fadas ou histórias da carochinha, as cantigas do berço, os jogos populares e ritmos infantis, os bailes pastoris, as adivinhações, as orações, os esconjuros, os ditados, todas essas tradições populares são o que constitui o folclore.”

(Vale Cabral – 1851-1894)

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