sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

A morte de Rimbaud, de Leandro Konder

Editora: Companhia das Letras

ISBN: 978-85-7164-982-8

Opinião: ★★★☆☆

Páginas: 160

Sinopse: Leitores de romances policiais não precisam de disciplina intelectual. Costumam se entregar à leitura com uma displicência voraz. Se dificilmente largam um livro pela metade, não é por questão de princípio nem por dever de ofício, mas apenas porque não aguentam não chegar ao fim: em geral, são compulsivos. Possuem um tipo de imaginação que os faz iludir-se alegremente com as armadilhas do enredo. Fingem-se de inocentes, pois sabem que acreditar no que leem é condição para desfrutar de um imenso prazer. A morte de Rimbaud sugere que Leandro Konder é bem esse tipo de leitor. Talvez até se dedique à leitura comodamente escrachado no sofá da sala, numa dessas posturas que deixam apopléticos os ortopedistas.

Sem a sua experiência de leitor, ele com certeza não teria escrito um livro que se enquadra com tanta exatidão no gênero policial. A trama envolve um milionário apaixonado por literatura francesa que resolve sustentar cinco escritores considerados por ele muito talentosos. O mecenas passa a chamá-los pelo nome de grandes autores franceses: Rimbaud, Aragon, Rousseau, Malraux e Claudel. Oferece-lhes uma polpuda verba mensal e despacha-os anualmente para férias na França. Rimbaud é encontrado morto. Pode ter sido acidente - ou não.

As características do gênero estão dadas. Existe, aqui, por exemplo, um provável assassinato; uma ilustre coleção de suspeitos; um conjunto variado de motivações para o crime e de oportunidades para cometê-lo; pequenas tramas paralelas que são puro diversionismo; uma série de detalhes aparentemente gratuitos e que no entanto se revelam determinantes para o desenrolar da ação; um detetive paciente, pertinaz e autoconfiante, desses que são capazes de se fazerem de bobos apenas para soltar a língua de um suspeito.

Isto é um romance policial, sem dúvida. Mas também não é. As epígrafes já desmentem o gênero. Não costumam aparecer em policiais, muito menos capítulo por capítulo. E menos ainda se extraídas de autores como Marx, Maquiavel, Petrônio, Borges, Drummond, Shakespeare, Fernando Pessoa, Rousseau, Malraux, Claudel, Aragon e Rimbaud.

O filósofo Leandro Konder traz para este livro um pouco da erudição exigida pelo seu trabalho intelectual “verdadeiro”. Mas sabe muito bem combinar as coisas: dá à sua escrita a leveza de quem pode se fazer de inocente apenas para desfrutar de uma boa história. Foi um leitor feliz que escreveu A morte de Rimbaud.




“Perseu precisava de um capacete para perseguir os monstros. Nós, puxando o capacete para baixo, cobrimos os olhos e os ouvidos, para podermos negar a existência dos monstros.”

(Karl Marx, O capital, prefácio da primeira edição)

 

 

“Meu coração suspeita que há mais do que os meus olhos podem enxergar.”

(Shakespeare, Tito Andronicus)

 

 

“Eram onze horas da manhã, a fome estava chegando, mas as ofertas do balcão não tinham um aspecto nada animador, sobretudo quando se percebia que a comida seria servida por um rapaz cujas unhas estavam de luto já fazia provavelmente mais de uma semana.”

 

 

“Saint-Ex é, sem dúvida, uma figurinha deletéria: pequeno por dentro e por fora. Como diriam os antigos romanos, “parvus ac pravus”, pequeno e perverso. No entanto, sua perversidade não é profunda; e, por conseguinte, sua periculosidade não chega a ser preocupante. São patéticos os seus esforços no sentido de disfarçar as evidências de que me detesta. Também não gosto dele, mas jamais lhe faria a homenagem de odiá-lo.”

 

 

“Muitas e diferentes mitologias urdiram os histriões; uns pregaram o ascetismo, outros a licenciosidade, todos a confusão.”

(Jorge Luis Borges, El Aleph, “Los teólogos”)

 

 

“A natureza criou os homens de tal modo que podem desejar qualquer coisa, mas não podem conseguir qualquer coisa.”

(Maquiavel, La prima deca di Tito)

 

 

“O gosto pela serenidade é fraco nos homens encurralados.”

(André Malraux, La condition humaine)

 

 

“Tendo sentido o inconveniente da dependência, prometi a mim mesmo que não mais me haveria de expor a ela.”

(Jean-Jacques Rousseau, Les confessions)

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