sábado, 30 de abril de 2016

Edda poética: Baladas divinas (I) – Autoria Desconhecida

Editora: livro distribuído
Tradução e notas: Marcio Alessandro Moreira
Opinião: ★★☆☆☆
Páginas: 169

A Völuspá (“A Profecia da Vidente”) / O Hávamál (“As Palavras do Altíssimo”) / O Vafþrúðnismál (“Os Dizeres de Vafþrúðnir”) / O Grímnismál (“Os Dizeres de Grímnir”) / O Skírnismál (“Os Dizeres de Skírnir”) / O Hárbarðsljóð (“A Canção de Hárbarðr”) / O Hymiskviða (“A Canção de Hymir”) / O Lokasenna (“A Discórdia de Loki”) / O Þrymskviða (“A Canção de Þrymr”) / O Völundarkviða (“A Canção de Völundr”) / O Alvíssmál (“As Palavras de Alvíss”) / O Þórsdrápa (“Louvor a Þórr”) / O Hrafnagalðr Óðins (“O Canto do Corvo de Óðinn”) ou Forspjallsljóð (“Poema Prelúdio”) / Baldrs Draumar (“Os Sonhos de Baldr”) ou Vegtamskviða (“A Canção de Vegtamr”) / O Rígsþula (“A Canção de Rígr”)

Völuspá – A Profecia da Vidente
24- “Óðinn atirou sua lança
e atravessou à extremidade do povo,
essa foi à primeira guerra,
a primeira do mundo;
quebrado foi o muro
da fortaleza dos Æsir*,
vigorosamente os guerreiros Vanir
andaram na planície.”
*: clã de deuses criadores da humanidade, Óðinn, Hænir e Lóðurr, mas em outra história são os filhos de Borr. São inimigos dos Vanir.

25- “Então todos os Regin
se sentaram em suas cadeiras,
as divindades sagradas
para debaterem sobre isso:
Quem tinha envenenado todo o ar
e o misturado com maldade,
e aos Jötnar* terem
dado a donzela de Óðr**.”
*: Os Gigantes.
**: Freyja é a esposa de Óðr.

26- “Þórr sozinho ali lutou
com furiosa raiva,
– ele raramente se senta, –
quando ele ouve tais coisas;
então os votos,
os juramentos e palavras
e todos os poderosos acordos
entre eles foram quebrados.”

38- “Um salão ela viu
longe da Sól*
em Náströnd,
com as portas ao norte;
veneno estava pingando
do teto,
e abaixo no salão
estava tecido com serpentes.”
*: Sól é feminino no norte.

39- “Ela viu um local para atravessar
através de rios selvagens,
homens mentirosos
e cães assassinos
e os que seduzem a consorte
de outros;
lá Níðhöggr* chupa
os corpos dos homens mortos,
o lobo rasga os homens em pedaços.
Quem saberia ainda mais que isso?”
*: dragão devorador de cadáveres que vive em Niflheim, o mundo inferior nórdico.

40- “No leste se senta a velha,
no Járnviðr*,
que deu nascimento
a descendência de Fenrir;
um deles,
o pior de todos,
engolirá Máni
na forma de um Troll.”
*: Floresta de Ferro.

41- “Ele se alimenta
da carne dos homens mortos,
a casa dos Deuses se torna vermelho
do sangue escarlate;
o brilho da Sól se torna negro
para os verões que chegam,
o tempo se torna pior.
Quem saberia ainda mais que isso?”

42- “Sobre a colina se senta
com sua harpa
o pastor da Gýgr*,
o feliz Eggþér;
perto dele canta,
na floresta, um galo,
um brilhante galo vermelho,
que é chamado Fjalarr.”
*: Giganta.

43- “Entre os Æsir canta
Gullinkambi,
que acorda os heróis
do Herjaföðr*;
mas outro canta
abaixo da terra,
um galo fuliginoso e vermelho
no salão de Hel.”
*: Odin.

44- “Garmr lati muito
no Gnipahellir,
as correntes serão quebradas
e o lobo correrá;
eu conheço muitos contos,
adiante eu vejo mais
do Ragnarökr*,
dos poderosos Sigtívar**.”
*: “Destino dos Deuses”. Na Edda em Prosa, Snorri interpretou seu significado como “Crepúsculo dos Deuses”.
**: Os Deuses da Vitória.

45- “Irmãos se enfrentarão
e se matarão um ao outro,
filhos de irmãs trarão
ruína aos parentes;
o mundo será difícil com
muita prostituição,
tempo do machado, tempo da espada,
escudos serão partidos,
tempo do vento, tempo do lobo,
antes de o mundo cair;
[a terra ressoa,
as Gigantas fogem,]
nenhum homem
poupará outro.”

46- “Os filhos de Mímir se agitam,
a árvore do destino se incendeia
no sopro do
Gjallarhorn*;
Heimdallr soará altamente,
o chifre no ar,
Óðinn debate
com a cabeça de Mímir.”
*: É o poderoso chifre de Heimdallr, a trompa de batalha que o deus usa para avisar os demais deuses da aproximação de seus inimigos, os gigantes, e assim ocorre no Ragnarök. Seu sopro pode ser ouvido nos Nove Mundos.

47- “Yggdrasill* treme,
o grande freixo,
a velha árvore geme,
e o Jötunn escapa**;
todos se amedrontam
na estrada para Hel
antes que o parente de Surtr***
a devore****.”
*: A árvore Yggdrasill, o eixo do mundo.
**: Loki ou Fenrir.
***: O Fogo.
****: A árvore.

48- “O que há com os Æsir?
O que há com os Álfar*?
Toda Jötunheimr** treme,
e os Æsir debatem,
os Dvergar*** ficam
em seus portões de pedra,
os sábios das rochas.
Quem saberia ainda mais que isso?”
*: Elfos.
**: Um dos nove mundos.
***: Anões.

49- “Garmr* lati muito
no Gnipahellir**,
as correntes serão quebradas
e o lobo correrá;
eu conheço muitos contos,
adiante eu vejo mais
do Ragnarökr,
dos poderosos Sigtívar.”
*: O cão de Hel, ou Hela. Hel é filha de Loki e da gigante Angurboda, irmã mais nova de Fenrir e da serpente de Midgard.
**: “Cume da montanha”, é uma caverna suspensa onde Garmr, o cão, está acorrentado até o início do Ragnarökr.

50- “Hrymr vem do leste,
com escudos erguidos,
Jörmungandr retorce
em Jötunmóðr*;
espalhando as ondas,
a águia pálida berra,
roendo os cadáveres,
Naglfar** se solta.”
*: Fúria de Gigante.
**: O navio feito das unhas dos mortos. Segundo o Gylfaginning cap. 43, Naglfar é o maior de todos os navios.

51- “O navio viajou do leste,
o povo do Múspell,
veio sobre o mar,
e Loki os guia;
a monstruosa descendência
acompanhará Freki*,
com eles está o irmão
de Býleist** viajando.”
*: Fenrir.
**: Loki.


Hávamál – As Palavras do Altíssimo

010. “Um fardo melhor
nenhum homem carrega em sua jornada
mais do que ter um pouco de bom senso;
é melhor que riquezas
encontradas em uma terra estranha,
tal é os recursos de um homem pobre.”

011. “Um fardo melhor
nenhum homem carrega em sua jornada
mais do que ter um pouco de bom senso;
ele não carrega
piores provisões na planície,
mais do que estar cheio de bebida.”

012. ”A bebida dos filhos dos homens
não é boa,
como eles dizem;
desde de que em sua própria mente
um homem sabe menos,
quanto mais ele bebe.”

016. “O homem tolo
pensa que viverá para sempre,
se evitar a batalha;
mas a velhice não
dará a ele nenhuma paz,
embora ele seja poupado das lanças.”

019. (...) “de maus hábitos
nenhum homem te acusará
se tu for ir dormir cedo.”

021. (...) “o homem tolo
nunca sabe
a medida de seu estômago."

022. “O homem miserável
e de mal temperamento
ri de qualquer coisa;
ele não sabe que
o que ele deveria saber,
que ele não é livre de faltas.”

023. “O homem tolo
fica acordado todas as noites
e preocupa-se com tudo;
então ele fica cansado,
quando chega a manhã,
toda sua preocupação está como estava.”

024. ”O homem tolo
pensa que todos aqueles que riram com ele
são seus amigos;
ele não notifica,
apesar de que eles falam mal dele
quando ele se senta com sábios.”

025. “O homem tolo
pensa que todos aqueles que riram com ele
são seus amigos;
então ele descobre isso,
quando ele chega para a assembleia,
que ele tem poucos advogados.”

027. “O homem tolo
que se encontra entre o povo
é melhor ficar quieto;
ninguém sabe que
ele não sabe nada
a menos que ele fale demais,
o homem não sabe
que nada sabe,
quando fala demais.”

034. “Longo é o caminho
para um mal amigo,
embora ele habita na estrada;
mas para um bom amigo
a estrada é direta,
embora ele esteja longe.”

035. “É necessário ir,
não deve o convidado ficar
sempre em um lugar;
o querido se torna odioso,
se por muito tempo ficar
na casa de outro.”

036. “A casa própria é melhor,
embora seja pequena,
no lar cada um é seu próprio senhor;
embora se possuir duas cabras
e um salão de teto de palha
é melhor que pedir por caridade.”

037. “A casa própria é melhor,
embora seja pequena,
no lar cada um é seu próprio senhor;
sangra o coração
daquele que é forçado a pedir
para se alimentar a cada refeição.”

038. “Da própria arma
não deve o homem no campo aberto
deixar a menos de um passo;
porque não se pode saber
quando na estrada
o homem necessitará da lança.”

039. “Eu nunca encontrei um homem tão liberal
ou tão generoso com alimento
que não aceitasse um presente;
ou de sua riqueza
tão liberal,
para desprezar uma recompensa, se recebê-la.”

042. “Para um amigo
o homem deve ser amigo
e pagar presente com presente;
risada com risada
o homem deve retribuir,
mas falsidade com falsidade.”

054. “Meio sábio
todo homem deve ser,
nunca muito sábio;
desses homens são
os que vivem bem melhor
aqueles que não sabem muito.”

055. “Meio sábio
todo homem deve ser,
nunca muito sábio;
porque o coração do homem sábio
raramente é feliz,
se ele possuir muita sabedoria.”

056. “Meio sábio
todo homem deve ser,
nunca muito sábio;
seu próprio destino
ninguém deve saber antecipadamente,
porque a mente fica livre de tristeza.”

069. “Nenhum homem é de todo miserável
embora a saúde dele seja má;
alguns deles são afortunados com filhos,
alguns com amigos,
alguns com abundante riqueza,
alguns com boas proezas.”


“A língua é assassina da cabeça.”


“É a riqueza o mais inconstante dos amigos.”


095. (...) “Não há doença pior
para o homem sábio
do que ele mesmo não ser feliz.”


119. “Aconselho ti, Loddfáfnir,
e tu aceite o conselho,
benefício terá se tu aceitar,
bem terá se tu obter:
saiba, se tu possui um amigo
em que tu bem confia,
vá visita-lo frequentemente,
porque o arbusto cresce
e a grama aumenta
no caminho em que ninguém passa.”

125. “Aconselho ti, Loddfáfnir,
e tu aceite o conselho,
benefício terá se tu aceitar,
bem terá se tu obter:
por três palavras não discuta
com um homem pior que ti
frequentemente o melhor é derrotado
quando o pior ataca.”

133. “Um homem não é tão bom
que não tenha defeitos,
nem tão mal, que não sirva para nada.”


“Uma dádiva sempre procura compensação.”

segunda-feira, 25 de abril de 2016

Os Caminhos da Liberdade: A Idade da Razão – Jean-Paul Sartre

Editora: Nova Fronteira / Saraiva de bolso
ISBN: 978-85-2093-083-0
Tradução: Sérgio Milliet
Opinião: ★★★★★
Páginas: 372
Sinopse: A idade da razão se passa em Paris, às vésperas da Segunda Guerra Mundial. Mathieu Delarue é um professor de filosofia que defende a ideia da liberdade individual e despreza qualquer tipo de compromisso. A gravidez inesperada da namorada, em meio à crise político-social da época, coloca em xeque seus conceitos e os dos que o cercam.


“Quando a gente está bêbado, dá-se ao luxo do patético.”


“E se as lágrimas lhe subiam aos olhos, como em Lola naquele momento, a gente não sabia onde se enfiar. Lágrimas de adulto eram uma catástrofe mística, algo como o choro de Deus sobre a maldade dos homens.”


“Estou velho. Eis-me arriado em cima de uma cadeira, comprometido até ao pescoço na vida e não acreditando em nada. E, no entanto, eu também quis partir para a Espanha. Mas não deu certo. Haverá realmente uma Espanha? Estou aqui, saboreio-me, sinto um gosto velho de sangue e água ferruginosa, meu gosto, eu sou meu próprio gosto, eu existo. Existir é isso: beber‑se a si próprio sem sede. Trinta e quatro anos. Há trinta e quatro anos que eu me saboreio, e estou velho. Trabalhei, esperei, tive o que queria: Marcelle, Paris, independência. Está tudo acabado. Não quero mais nada.”


““Assim é o homem”. Era rígido, inflexível e no fundo havia uma pobre vítima a clamar misericórdia. “Estranho que a gente possa odiar-se como se fosse outra pessoa!” Mas não era verdade, aliás; por mais que fizesse, só havia um Daniel. Quando se desprezava tinha a impressão de se destacar de si mesmo, de pairar como um juiz abstrato acima de um fervilhamento impuro, e bruscamente aquilo o retomava, o aspirava por baixo e ele se atolava em si próprio.”


““É sinistro ver com clareza”, pensou Daniel. Assim é que imaginava o inferno: um olhar penetrante que atravessaria tudo, iria até o fim do mundo – até o fim de si próprio.”


“Quando a gente não tem coragem de matar-se de uma vez, deve fazê-lo aos poucos.”


“Não se é homem enquanto não se encontra alguma coisa pela qual se está disposto a morrer.”


“Entre trinta e quarenta anos a gente joga a última cartada.”


“A música parou, a dançarina imobilizou-se, voltando o rosto para o público. Por cima do sorriso brilharam lindos olhos acuados. Ninguém aplaudia e houve algumas risadas ofensivas.
– Safados! – disse Boris.
Bateu palmas com força. Rostos espantados viraram-se para ele.
– Fica quieto – disse Ivich, furiosa. – Aplaudir isso?
– Ela fez o que pôde – disse Boris, aplaudindo.
– Mais um motivo para não aplaudir.”


“O barman, por exemplo. Pouco antes fumava um cigarro, vago e poético como um jasmineiro; agora acordara, era demasiado barman, sacudia o shaker, abria‑o, escorria uma espuma amarela nos copos, com gestos de uma precisão supérflua. Representava o papel de barman. Mathieu pensou em Brunet: “Talvez não possa ser de outro modo; talvez seja preciso escolher: não ser nada ou representar o que é. Isso seria terrível, essa trapaça com a nossa própria  natureza”.”


“Essa tagarelice na minha cabeça, eu daria tudo para conseguir me calar.”


“Baixou a cabeça. Pensava na própria vida. O futuro penetrara‑a até à medula. Tudo nela estava em suspenso, em sursis*. Os dias mais recuados de sua infância, o dia em que dissera “Serei livre”, o dia em que dissera “Serei grande”, apareciam‑lhe, ainda agora, com seu futuro particular, como um pequenino céu pessoal e bem redondo em cima deles, e esse futuro era ele, ele tal e qual era agora, cansado e amadurecido. Tinham direitos sobre ele e através de todo aquele tempo decorrido mantinham suas exigências, e ele tinha amiúde remorsos esmagadores, porque o seu presente negligente e cético era o velho futuro dos dias do passado. Era ele que eles tinham esperado vinte anos, era dele, desse homem cansado, que uma criança dura exigira a realização de suas esperanças; dependia dele que os juramentos infantis permanecessem infantis para sempre, ou se tornassem os primeiros sinais de um destino. Seu passado sofria sem cessar os retoques do presente; cada dia vivido destruía um pouco mais os velhos sonhos de grandeza, e cada novo dia tinha novo futuro; de espera em espera, de futuro em futuro, a vida de Mathieu deslizava docemente... em direção a quê?
Em direção a nada. Pensou em Lola. Estava morta, e a vida dela, como a de Mathieu, não fora senão uma espera.”
*: Prorrogação, espera.


““Eles têm medo da morte. Por mais limpinhos e fresquinhos que sejam, têm almas sinistras, porque têm medo. Medo da morte, da doença, da velhice. Agarram‑se à juventude como um moribundo à vida. Quantas vezes vi Ivich apalpar o rosto inquieto em frente de um espelho. Já treme diante da possibilidade de ter rugas. Vivem a ruminar a sua juventude, só fazem projetos a curto prazo, como se só tivessem diante de si cinco ou seis anos. Depois... Depois, Ivich fala em suicidar‑se, mas estou tranquilo, não ousará jamais; não morrerão tão cedo. Afinal, eu tenho rugas, uma pele de crocodilo, músculos retorcidos, mas ainda tenho muitos anos para viver... Começo a crer que nós é que somos jovens. Queríamos bancar homens feitos, éramos ridículos, mas eu me pergunto se o único meio de salvar a juventude não será esquecê‑la.”


“Ela olhou o Leão de Balfort e disse, extasiada:
– Gosto deste leão. Parece um feiticeiro.
– Hum.
Respeitava os gostos da irmã, embora não os partilhasse. Aliás, Mathieu já dissera, uma ocasião: “Sua irmã tem mau gosto, mas é melhor do que o melhor gosto. É um mau gosto profundo”.”


“Será isto a liberdade? Ele agiu, agora não pode mais voltar atrás; deve parecer‑lhe estranho sentir atrás de si um ato desconhecido, que ele já quase não compreende e que vai transformar-lhe a vida. Eu, tudo o que faço, faço‑o por nada; dir‑se‑ia que me roubam as consequências dos meus atos, tudo se passa como se eu pudesse sempre voltar atrás. Não sei o que não daria para cometer um ato irremediável.”


“Ninguém entrava minha liberdade, foi a minha vida que a bebeu.”