domingo, 4 de dezembro de 2016

Sobre o Infinito, o Universo e os Mundos – Giordano Bruno

Editora: Abril Cultural
Tradução: Helda Barraco
Opinião: ★★☆☆☆
Páginas: 108
Sinopse: Obra escrita e publicada por Bruno durante sua permanência na Inglaterra. Nela o pensador expõe, sob forma de diálogos, algumas de suas teses principais, opostas à ciência oficial de seu tempo: a infinitude do universo, a existência de uma infinidade de mundos, a rejeição da noção aristotélica de quinta-essência, a infinitude do movimento.



“Detesto o vulgo, a multidão não me contenta.”


“Considero inimigas de Deus, abjetas e sem motivo de honra todas as reputações e vitórias, quando não fundamentadas na verdade.”


“No eterno não são diferentes o ser e o poder ser.”


“É necessário afirmar o infinito, porque nenhuma coisa nos ocorre que não seja terminada por outra, e não temos experiência de nenhuma que seja terminada por si mesma.”


“O primeiro eficiente não pode fazer senão aquilo que quer fazer; não quer fazer nada além daquilo que faz; logo, não pode fazer nada além daquilo que faz. Por conseguinte, aquele que nega o efeito infinito nega a potência infinita.”


“Afirmo que, se no primeiro eficiente existe potência infinita, existe também operação, da qual depende o universo de grandeza infinita e mundos numericamente infinitos.”


“ELPINO — Muito bem. Mas, por favor, proceda de outro modo; faça-me entender que diferença há entre mundo e universo.
FILOTEO — A diferença é muito conhecida fora da escola peripatética. Os estoicos fazem distinção entre o mundo e o universo, porque o mundo é tudo o que existe de pleno e consta de corpo sólido; o universo não é somente o mundo, mas também o vácuo, o inane e o espaço fora dele: por isso consideram o mundo como finito e o universo infinito. De forma semelhante, Epicuro chama ao todo e ao universo mistura de corpos e de inane; e nesta mistura afirma consistir a natureza do mundo, que é infinito, na capacidade do inane e do vácuo, e também na multidão de corpos que nele existem. Nós não consideramos vácuo o que é simplesmente o nada, mas, segundo aquele conceito, tudo o que não possua corpo que resista sensivelmente, sempre que tenha dimensão, é considerado vácuo: pois, comumente, não se concebe o corpo senão com a propriedade de resistência. Daí afirmarem que, como não é carne aquilo que não é vulnerável, assim não é corpo aquilo que não resiste. Desta forma dizemos existir um infinito, isto é, uma etérea região imensa, na qual existem inúmeros e infinitos corpos, como a terra, o sol, a lua, que são chamados por nós de mundos compostos de pleno e vácuo: porque este espírito, este ar, este éter não estão somente à volta destes corpos, mas ainda os penetram e estão ínsitos em todas as coisas. Consideramos ainda o vácuo segundo a mesma razão que nos permite responder a quem perguntasse onde se encontram o éter infinito e os mundos, e nos respondesse: num espaço infinito, num ambiente determinado, no qual tudo existe e se compreende, e nem se poderia compreender como existindo em outra parte. Neste ponto, Aristóteles, tomando confusamente o vácuo segundo esses dois conceitos e mais um terceiro, que ele imaginou mas não soube denominar nem definir, vai-se debatendo para eliminar o vácuo e pensa destruir, com a mesma argumentação, todas as opiniões acerca dele. Contudo, não toca nelas mais do que alguém que, por ter eliminado o nome de alguma coisa, pensasse ter eliminado a coisa mesma, porque destrói o vácuo, se acaso o destrói, por um raciocínio que, provavelmente, nunca foi apresentado por ninguém: considerando que os antigos e nós tomamos o vácuo por aquilo que pode conter um corpo e que pode conter qualquer coisa, inclusive átomos e corpos, e só ele define o vácuo como sendo o nada, no qual nada está e nada pode estar. Daí, tomando o vácuo segundo um nome e significação que ninguém lhe deu, fez castelos no ar e destruiu o seu vácuo, mas não o de todos os outros que falaram de vácuo e se utilizaram deste nome: vácuo. Este sofista não procede de outro modo no tocante a outros assuntos, tais como movimento, infinito, matéria, forma, demonstração, ente, edificando sempre sobre a fé da sua própria definição e sobre o nome tomado segundo novo significado. De modo que todo aquele que não é completamente desprovido de juízo pode facilmente perceber quanto este homem é superficial na consideração da natureza das coisas e quanto está apegado às suas suposições, nem confirmadas nem dignas de serem confirmadas, suposições ainda mais vãs em sua filosofia natural do que se possa imaginar na matemática. E vocês podem observar que tanto se gloriou desta vaidade e tanto se enalteceu que, a propósito da especulação sobre a natureza das coisas, ambicionou tanto ser considerado raciocinador ou, como queremos dizer, lógico que, por desprezo, chama de físicos aqueles que mais se ocuparam da natureza, realidade e verdade.”


“Embora seja de pouca importância o equívoco em que se cai no começo, aumenta dez mil vezes com a continuação; da mesma forma, o engano que se comete ao início de qualquer caminho tanto mais se avoluma quanto mais se procede, afastando-se do princípio, de maneira que no fim acaba por levar a um termo contrário àquele que era proposto. A razão de tudo isso é que os princípios são pequenos em tamanho e enormes em eficácia.”


“Temos que suportar Aristóteles devido à reputação que ele alcançou, mais por não ser bem compreendido que por outra coisa.”


“ALBERTINO — Ser solícito contra as opiniões tolas e estúpidas é próprio das pessoas tolas e estúpidas, diz o príncipe Aristóteles.
ELPINO — Muito certo. Mas, se você reparar bem, esta sentença e este conselho virão servir contra as suas próprias opiniões, quando forem abertamente estúpidas e tolas. Quem quiser julgar corretamente deve saber despojar-se do costume de acreditar; deve considerar igualmente possível tanto uma como a outra contraditória, e abandonar de fato aquela tendência da qual estamos atribuídos desde a infância: tanto a que nos apresenta a conversação geral como a outra, pela qual renascemos mediante a filosofia, morrendo para o vulgo entre os estudiosos considerados sábios por toda a multidão, numa determinada época. Quero dizer, quando acontece haver controvérsias entre estes e outros considerados sábios por outras multidões e noutros tempos, se quisermos julgar retamente, devemos lembrar o que afirmou o próprio Aristóteles, que, talvez pelo fato de só considerarmos poucas coisas, às vezes emitimos juízos com muita facilidade; e, além disso, que, por força do costume, uma opinião é muitas vezes aceita de tal forma que coisas impossíveis nos parecem necessárias; e outras coisas, que são veracíssimas e necessárias, nos parecem impossíveis. E se isto acontece nas coisas que por si são evidentes, que será nas dúbias, que dependem de princípios bem postos e de fundamentos sólidos?
ALBERTINO — É opinião do comentador Averróis, e de muitos outros, que não se pode saber o que Aristóteles ignorou.
ELPINO — Ele e toda essa multidão tinham uma inteligência tão mesquinha e sua ignorância era tão profunda, que por mais alto e mais claro que pudessem enxergar, ali estava Aristóteles. Contudo, se estes e os outros, quando emitem semelhante sentença, quisessem falar com mais rigor, deveriam dizer que Aristóteles é um Deus, segundo o parecer deles; e isso não tanto para enaltecer Aristóteles, quanto para justificar a própria ignorância; sendo a sua opinião como a da macaca, que julga seus filhos as mais belas criaturas do mundo e seu macaco o mais lindo macho da terra.
ALBERTINO — Parturient montes... (Os montes dão à luz...)
ELPINO — Você verá que não é o rato que nasce.
ALBERTINO — Muitos têm atirado setas e lutado contra Aristóteles, mas ruíram os castelos, quebraram-se as pontas das flechas e partiram-se os arcos.
ELPINO — Que acontece quando uma estupidez luta contra outra? Uma pode ganhar de todas as outras, mas nem por isto deixa de ser estupidez; e não poderá, no fim, ser descoberta e vencida pela verdade?
ALBERTINO — Afirmo que é impossível contradizer Aristóteles, demonstrativamente.
ELPINO — Esta é uma afirmação demasiado precipitada.
ALBERTINO — Eu não o afirmo senão depois de ter visto bem e considerado ainda melhor o que Aristóteles diz. E não só não encontro nele erro algum, como em tudo o que disse reconheço o sinal da divindade. E creio que ninguém possa perceber alguma coisa que eu não tenha chegado a perceber.
ELPINO — Então você mede o estômago e o cérebro dos outros pelo seu, e acredita ser impossível para os outros o que é impossível para você? Existem no mundo alguns tão desafortunados e infelizes que, além de estarem privados de todos os bens, possuem como companheira eterna, por fatalidade, tal fúria infernal, que voluntariamente os empolga e lhes ofusca a vista com o negro véu da inveja corrosiva, para não verem sua nudez, pobreza e miséria, e para não verem os ornamentos, as riquezas e a felicidade dos outros: preferem sofrer uma torpe e soberba penúria, e permanecer sepultos embaixo de uma camada de ignorância pertinaz, a serem vistos orientados para uma nova teoria, parecendo-lhes confessar terem sido, até aquele momento, ignorantes, e terem um ignorante por guia.
ALBERTINO — Você quer, então que eu me torne discípulo deste? Eu, que sou doutor, aprovado por mil academias, e que exerci publicamente a profissão de filósofo nas primeiras academias do mundo, venha, agora, renegar Aristóteles e me deixar ensinar filosofia por elementos semelhantes?
ELPINO — Eu, por mim, gostaria de ser ensinado, não como doutor, mas como indouto; desejaria aprender, não como aquele que deveria ser, mas como aquele que não sou. Por isso, aceitaria por mestre não somente este, mas qualquer outro que os deuses me enviassem, pois que eles lhe fazem entender aquilo que eu não entendo.
ALBERTINO — Você pretende, então, me fazer voltar a ser criança?
ELPINO — Pelo contrário, deixar de ser criança.
ALBERTINO — Muito obrigado pela cortesia, pois você pretende fazer-me ir para a frente e enaltecer-me, tornando-me ouvinte deste homem combatido, que todo mundo sabe quanto é odiado pelas academias, como é adversário das teorias comuns, louvado por poucas pessoas, aceito por ninguém, perseguido por todo o mundo.
ELPINO — Por todos sim, mas por todos do seu tipo; por poucos sim, mas ótimos e heroicos. Ele é adversário das doutrinas comuns, não por serem doutrinas ou por serem comuns, mas por serem falsas. Odiado pelas academias, porque onde existe dessemelhança não existe harmonia; homem combatido porque a multidão é contrária àquele que se coloca fora dela; e quem se põe no alto torna-se alvo de muitos.”


“Como de um erro deriva outro, assim de uma verdade descoberta sucede outra.”


“É próprio de um intelecto não adormecido poder considerar e entender muitas coisas, a partir das poucas que vê e ouve.”

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